Nos deparamos com a notícia de que o Pantanal, no mês de setembro, registrou o maior número de queimadas em um mês na história. Foram 8.106 focos de incêndios em apenas 30 dias! Novamente ouvimos a famosa frase: "o Brasil vive uma das piores tragédias ambientais de sua História?” Na última década, essa frase tem se tornado corriqueira em reportagens sobre o nosso meio ambiente. Seja o caso de Mariana, Brumadinho, ou incêndios na Amazônia, essas notícias são sempre combinadas com imagens revoltantes de florestas destruídas, animais sendo resgatados e especialistas tentando explicar as causas daquela tragédia.
Mas tragédia seria o melhor termo para definir esses acontecimentos? Usar este conceito é retirar o fator humano e a responsabilização do debate, mesmo que indiretamente. É colocar no imaginário que foi apenas um incidente, sem ação, omissão ou negligência.
Nas últimas semanas, as queimadas tomaram conta do noticiário. Os números de focos de incêndio impressionam, são milhares. A proporção da destruição ambiental também. No Pantanal, para além do impressionante número de focos de incêndio em setembro, já perdemos, até o momento, uma área maior que o estado de Sergipe, e que corresponde a 2,3 milhões de estádios do Maracanã!
E olhando para as causas, nos deparamos com algumas questões que são importantes de serem elencadas. Primeiramente, há a ação deliberada. Investigações apontam para as causas de grande parte dos focos de incêndio serem por ações humanas. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, cinco fazendeiros são suspeitos pelas queimadas que destruíram 25 mil hectares. Há também denúncias de omissão do Ministério do Meio Ambiente em implementar políticas ambientais com orçamento adequado. De acordo com o Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil, o Ministério do Meio Ambiente gastou apenas 0,4% (cerca de R$105mil) do orçamento que tinha para preservação ambiental, que é de R$ 26,5 milhões. Esta situação acarretou em uma decisão de convocar uma audiência pública do STF para discutir o tema.
Também podemos analisar a questão da fiscalização, onde também houve denúncias de ações que coíbem a atuação do IBAMA de forma eficiente. Para efeitos de comparação, o número de multas aplicadas pelo IBAMA no Pantanal caiu 48% este ano, comparado ao anterior, mesmo tendo um aumento em 210% nos incêndios da região.
Com todas essas informações, ainda podemos chamar as queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal como tragédias ambientais, sem olhar para as responsabilidades por trás dos fatos? Ou não seria o caso de começar a chamar de crimes ambientais?
O Brasil precisa enfrentar essa questão de forma mais efetiva para cumprir compromissos nacionais e internacionais em reduzir o desmatamento. Um deles, feito nos termos do Acordo de Paris, foi de eliminar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Porém, para cumprir, é necessário agir. O país já falhou em cumprir a meta estabelecida em sua Política Nacional sobre Mudanças do Clima de redução em 80% a taxa de desmatamento da Amazônia no ano de 2020 (em relação à média de 1996 a 2005), o que significava chegar este ano com aproximadamente 3.900 km2 de perda de floresta. Entretanto, a projeção é de que o valor ultrapasse 10.000 km2 em 2020.
É importante que o Brasil tenha uma política ambiental robusta, com investimentos adequados, e pessoal capacitado para fazer a fiscalização e monitoramento. O diálogo com as populações indígenas e tradicionais é fundamental para que haja a proteção das comunidades e de seus territórios, frente a ameaças das queimadas e de outros interesses, como a venda de madeira e produção de soja e criação de gado.
Junto a isso, o país pode focar em ações para a preservação do meio ambiente e proteção do território e das populações indígenas, comunidades quilombolas e povos tradicionais. E que deixemos as tragédias para o teatro!